A Responsabilidade de Comando no Estatuto de Roma e sua Implementação no Código Penal Militar
A principal fonte legislativa de nossa pesquisa será o Estatuto de Roma. O Brasil, ao aderir à criação do Tribunal Penal Internacional, aceitou a jurisdição complementar desta Corte Internacional permanente para julgar crimes de agressão, genocídio, crimes contra a humanidade e de guerra.
Significa dizer que a ausência de julgamento interno para hipótese em que a Corte considerar ajustado em alguma dessas modalidades delitivas vai acarretar a assunção direta do caso. O mesmo pode acontecer se a Corte considerar que houve ausência de interesse do Estado-parte na punição ou impossibilidade de realizar o julgamento, por exemplo, em razão de guerra ou calamidade.
Uma hipótese clara de ausência de julgamento pode ocorrer diante de atipicidade de crimes internacionais frente à legislação penal do Estado-parte. A presente pesquisa se debruçará sobre a responsabilidade de comando, instituto inexistente no nosso direito penal comum e militar.
Perante o CPM, o comandante só pode ser responsabilizado pelo crime praticado pelo subordinado se prestou adesão à prática delitiva por ele desencadeada, hipótese em que será dele coautor ou partícipe. Além dessa hipótese, eventualmente, pode-se cogitar de responsabilização a título de culpa, em face do resultado advindo da prática delitiva desencadeada pelo subordinado, mas mesmo assim a simples relação de subordinação hierárquica não é suficiente para preencher os requisitos do tipo culposo de resultado.
Por outro lado, a doutrina internacional penal penal inclina-se por ver a responsabilidade de comando no Estatuto de Roma como hipótese de responsabilidade culposa, o que está totalmente desconforme ao nosso direito penal. Primeiro porque, em uma de suas modalidades, quando o comandante ¨sabe¨ do comportamento delituoso dos seus subordinados, há, claramente, descrição de dolo direto no nosso sistema. Segundo, porque é inadmissível que crime culposo tenha a mesma pena abstrata de crime doloso, tratando-se de delitos da mais extrema gravidade como são os crimes internacionais. Por último, porque é inadmissível participação culposa em crime doloso.
A implementação do Tratado, já em discussão no Congresso Nacional, poderá não solucionar essa disparidade. A tese ora apresentada, além de enfrentar essas dificuldades interpretativas, vai analisar alguns aspectos do direito penal da common law, que serviu de fonte para a edificação da responsabilidade de comando. Ao final, apresentaremos soluções interpretativas e de lege ferenda, fora do projeto de implementação, consistentes em alterações no CPM, com o que se espera sejam as antinomias definitivamente resolvidas.
Sugestões também serão feitas sobre alterações no texto do ER para que a omissão imprópria seja alcançada sem nenhuma dúvida, pois a punição de crime omissivo em face de crime comissivo de resultado, sem norma de extensão sobre posição de garante, é inequívoca ofensa ao princípio da legalidade, sob a ótica do princípio da legalidade no sistema continental.
Por último, a alteração que vamos propor no CPM para melhor implementar a responsabilidade de comando importará na criação de um tipo omissivo culposo, nos moldes que a doutrina internacional penal empresta ao tema, porém com pena ajustada aos crimes culposos no nosso sistema legislativo, alcançando os crimes internacionais e os crimes militares.
Com isso, ficam resolvidos os casos em que comandantes negligentes na condução de operações militares ou foram, erradamente, responsabilizados pelo mesmo crime doloso praticado pelo subordinado ou sequer foram processados diante da atipicidade de comportamento no CPM, em que pese a imperdoável negligência de seu comportamento.